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Reologia de Tintas Serigráficas - por Ary Luiz Bon - Avançado

O Ary Luiz Bon é um consultor com uma vasta experiencia em serigrafia, um de seus trabalhos é a investigação dos fatores que afetam as variáveis na serigrafia e por consequência seus resultados. Além de um querido amigo, o Ary sempre que possível me brinda com uma visão a respeito da serigrafia que eu até então não tinha percebido. Estou escrevendo este post durante uma temporada em Lima, Peru em fevereiro 2020, e nesta semana que escrevo li um post do Ary no seu perfil do facebook (que criou uma certa discussão nos meios acadêmicos) e resolvi postar aqui no blog, vamos a ele. Boa Leitura!



Hoje o tema é ciências.

O nome do estudo dos esforços e do fluxo de materiais no estado líquido (e gasoso) é reologia (na química) e mecânica dos fluidos (na engenharia). Basicamente a definição seria “Estudo das deformações dos materiais submetidos a esforços”, ou “estudo dos esforços presentes nos materiais sob deformação”.



É evidente que os líquidos não mantém sua forma e materiais pastosos se comportam de maneira similar, sendo a principal diferença observada a velocidade que eles escorrem. Um pouco menos evidente é que existe uma força de coesão interna ao material, mais facilmente observada nos materiais em pasta, um pouco menos nos líquidos, e menos ainda nos gases, que tem ambas as características (embora aparentemente não porque geralmente os gases são menos densos que o ar).


O esforço que “vence” a força de coesão (característica das moléculas do material em questão) numa observação simples envolvendo materiais e recipientes, é a força da gravidade. A massa do material é atraída para “baixo” por efeito da gravidade, temos aqui uma força e uma direção da aplicação da força ao material.


Um pioneiro no estudo da fluidez foi Isaac Newton, que também equacionou a questão da gravidade terrestre. Newton estabeleceu maneiras de quantificar o que chamou “Viscosidade”. Através do nome “viscosidade” temos como denominar por exemplo, o quanto uma tinta está mais diluída ou menos diluída, mais líquida ou mais pastosa. É um início para estabelecer a compreensão sobre o comportamento das tintas na transferência da imagem quando da impressão propriamente dita.


Viscosidade, ou “viscosidade inicial”


Modelo de newton para equacionar a viscosidade

Conforme Newton, a viscosidade (rO)

do fluido é a resistência ao escorrimento,

definida como o esforço “cortante” dividido pela “taxa de corte”.





Por sua vez o “corte” ou “fatiamento” do fluido representa o quanto a força de adesão das moléculas do material se contrapõe ao esforço externo aplicado a esse material. Esta contraposição ou seja, o que “freia” a velocidade do escorrimento ou deformação, é a proporção (taxa) entre a distancia e a velocidade da frente de onda do fluido. Na equação, denominamos C o esforço cortante e T a taxa de corte.


O modelo de Newton pode ser adaptado à serigrafia para uma parte da transferência de tinta na impressão, referente à penetração da tinta entre os fios da tela serigráfica.


O esforço cortante C é definido como a força aplicada (F) dividida pela área (A) de atuação da força ou tamanho da fatia. Este “tamanho” de fatia é relativo à distância entre os fios da tela.




A razão de fatiamento (taxa cortante) é dada pelo gradiente de velocidade (deltaV) dividido pelo gradiente de distancia ao ponto de referência (deltaX).


Notamos que (importante) a tinta inicialmente deve apresentar uma viscosidade suficiente (*a) para não escorrer pelos fios da tela somente com a gravidade, e esta resistência a fluir deve ser vencida pela pressão que a lamina do rodo faz durante a puxada. Esta pressão (#1) é perpendicular à superfície da lamina do rodo, mas muda de direção (#2) ao encontro dos fios da tela. Variáveis a considerar neste ponto:


- O ângulo de aplicação do rodo determina a quantidade de força na direção da penetração da tinta (*b). A função dos fios da tela é cortar a tinta, fatiar a mesma. Este fatiamento tem 2 direções: a de penetração (perpendicular ao plano da tela) e ao longo da tela, paralela à superfície da mesma. A penetração precisa ser uma distancia no mínimo igual à espessura do tecido serigráfico (caso contrário a tinta continuará na tela).


- Múltiplas passadas de rodo criam penetrações em estágios. A simples cobertura da tela antes da puxada faz o mesmo, ou seja, parte do caminho de penetração da tinta (*c).


- A quantidade de tinta em função da resistência a fluir nos leva a um tempo que a tinta deve ficar sob a pressão de penetração, ou seja, a velocidade da passada do rodo (*d) interfere na carga de tinta que será depositada na transferência da imagem.



Podemos fazer uma analogia da transferência da tinta na serigrafia, com a aplicação de massa para tapar um furo da parede.

(*a) Massa mais mole penetra mais facilmente que a massa mais dura; (*b) A espátula mais deitada fará mais massa entrar no furo, do que se aplicada mais “em pé”; (*c) mais passadas farão mais massa no furo; (*d) passando mais lentamente a massa penetra mais fundo no furo.






NOTA - alguns acadêmicos consideram ofensiva a comparação com “massa de parede”.

Duas observações: (1a. A penetração da tinta na malha da tela inicia com a cobertura da mesma antes da puxada propriamente dita. Boas práticas recomendam que esta penetração seja completa apenas com a cobertura da tela (podem ocorrer casos onde isto não seja possível) - (2a. todo este estágio e o exemplo da massa de parede se aplicam apenas no que concerne ao esforço #1).


A partir daqui, temos que considerar - abaixo dos fios da tela e contra a superfície que está sendo impressa, os esforços no corpo da tinta mudam novamente de direção (#3). Esta nova direção é paralela à superfície sendo impressa, como um “espalhamento” da tinta. Assim como nas considerações anteriores, a deformação (espalhamento) obedece às leis físicas do fluxo dos materiais. Idealmente o rodo terá terminado de passar pelo ponto no encontro entre os fluxos de tinta ao redor de um mesmo fio. Caso isto ocorra, a pressão ou esforço de deformação na tinta chegará a zero assim que a tinta molhar toda a superfície a imprimir. Caso contrário, as paredes do estêncil formadas pela emulsão devem oferecer estanqueidade, como uma gaxeta para evitar perda de definição (borrados) na imagem.


Boas práticas da confecção de matrizes irão prover esta característica, necessária porque variações de viscosidade em um instante específico da transferência da tinta na impressão não são controláveis ao nível de um ajuste tão fino. Além disso, a viscosidade é um “animal” dinâmico, não é algo que permanece com valor constante quando se trata de pastas (em oposição a “líquidos”). O esforço #4 da imagem principal (os fios sendo puxados para fora da camada de tinta impressa) será avaliado mais adiante.


Instrumentos chamados “viscosímetros” podem ser utilizados para padronizar a viscosidade inicial de tintas de impressão. Copos de medida com furo-padrão (copo shell, copo Ford) de uso comum para tintas líquidas (flexografia, rotogravura) não são adequados para tintas de serigrafia. Para tintas pastosas, a viscosidade inicial pode ser medida com viscosímetros de haste rotativa.


Materiais “newtonianos” x “não-newtonianos”.


Um contemporâneo (e rival) de Isaac Newton, chamado Robert Hooke estabeleceu leis para a deformação de sólidos quando submetidos a esforços. Chamou a estas, leis da elasticidade dos materiais. Hooke estabeleceu um conceito adicional, da deformação reversível x deformação permanente, e do “ponto de ruptura”, ou o esforço limite entre as duas classes de deformação.


Imaginemos uma mola: quando se aplica uma força, ela muda sua geometria, mas a resultante dessa força fica armazenada no material e a mola retorna ao seu formato quando a força é removida. A força de adesão das moléculas dos materiais sólidos permitem que não ocorra o corte ou “fatiamento”, até um determinado limite (ponto de ruptura molecular).





Na serigrafia, aplicamos a lei de Hooke na esticagem da tela. Os fios da telas funcionam como as molas de tração, armazenando a energia que foi aplicada no tensionamento. O gráfico de tração-elongação (força-deformação) mostra o ponto Y (yeld point) além do qual a deformação fica permanente, ou seja, o fio esticado se liberado o esforço não retorna ao comprimento original. No caso da tela, é quando ela fica mais “frouxa”. Entretanto, nos polímeros como o poliéster dos fios da tela, o rompimento físico do fio se encontra sob uma força mais elevada. A reesticagem de uma tela que afrouxou apresenta pontos de ruptura e resistência mais elevados.


Voltando à questão da tinta serigráfica. A junção das duas leis, de Newton e de Hooke nos permitem ver a aderência molecular dos materiais como real fator determinante do comportamento dos materiais - quanto a sua deformação quando uma força externa é aplicada.


Assim, trabalhando entre os limites do estado sólido e estado líquido dos materiais, temos o real comportamento das tintas de impressão, que chamamos “visco-elasticidade”. (na realidade, o estado gasoso seria completamente elástico, o estado líquido completamente plástico, na formação de uma escala - mas o estado gasoso não tem aplicação prática para nosso tema).


Materiais chamados “newtonianos” são aqueles que, na faixa de aplicação, não sofrem variação de viscosidade quando a força aplicada varia; e materiais não-newtonianos são aqueles cuja viscosidade depende da quantidade de força e da velocidade com que a força é aplicada.



Um exemplo clássico: o mel e a maionese. Claramente o mel tem viscosidade (inicial) maior do que a maionese... mas dependendo da força aplicada, vemos uma inversão.

Colocando ambos, cada um em um funil temos que apenas a força da gravidade vai atuar - a maionese simplesmente não vai escorrer, e o mel sim, lentamente. Colocando ambos, cada um em uma seringa, vemos que a maionese flui rápido com pouco esforço, e o mel vai oferecer resistência muito maior a fluir. O mel é o que chamamos fluido “newtoniano” e a maionese dizemos ter comportamento “visco-elástico”, assim como as tintas de serigrafia.


As forças de aderência das moléculas dos materiais sofrem a interferência das cargas (pigmentos e aditivos) que são presentes nas tintas. Essa interferência se manifesta como tensão superficial entre as fases sólida e líquida das pastas e como atrito. O atrito se verifica nas tintas com muita carga (por ex brancos de cobertura) gerando um comportamento de aumento da viscosidade quando um esforço é aplicado. Isto pode ocorrer na preparação da tinta ou mesmo durante a impressão (quando equivocadamente dá a impressão que a tinta “secou” na tela).


A preparação da tinta usando batedores com hélices adequadas e velocidade controlada faz toda a diferença no comportamento da tinta mais tarde, durante a impressão. O comportamento reológico indesejado (aumento da viscosidade com o esforço) se chama “dilatância”. Podemos traçar um paralelo com a atividade culinária de preparar um bolo - se não for batida a massa adequadamente, a textura não ficará agradável.


Geralmente, as tintas serigráficas devem reduzir a viscosidade quando o esforço é aplicado, ou seja - assim como a maionese, não escorrer apenas com a gravidade, e quando o esforço é aplicado, fluir fácilmente através dos cruzamentos dos fios da tela serigráfica.


Adicionalmente, quando o esforço cessa, deve haver um retorno à viscosidade original, e idealmente este retorno deve ocorrer com uma janela de tempo. A característica de retorno com algum retardo à viscosidade inicial da tinta se chama “tixotropia”. O fator que faz interagirem os componentes da fórmula da tinta é a força de atração entre eles, uma característica de tensão superficial (potencial elétrico dos materiais). Podemos fazer uma analogia ao efeito de “mola” neste retardo a viscosidade inicial após a tinta desmoldar da matriz.


Os instrumentos para medir a reologia das tintas é o Reômetro, e existem alguns tipos sendo o de “cone-prato” o geralmente indicado para prever como uma tinta preparada irá se comportar durante a impressão. O viscosímetro determina a viscosidade antes de imprimir, mas não fornece dados de como a tinta irá funcionar na aplicação. Por exemplo, uma tinta que funciona bem na impressão manual pode simplesmente deixar de funcionar em uma máquina de alta velocidade mesmo tentando diluir.


O reômetro pode indicar quais serão as viscosidades em diferentes velocidades (taxas cortantes) e em quantos segundos retornará à viscosidade inicial após a desmoldagem (fundamental para tintas com brilho).


Uma tinta que apresente dilatância na fase #2 tenderá a deixar o impresso com perfurações (foi aqui que inventaram o famigerado “repique” de impressão, ignorando o fato que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar). A dilatância está relacionada com a fórmula da tinta e com a velocidade do rodo.



Uma tinta que apresente dilatância na fase #3 tenderá a “grudar a tela” no impresso. Ou seja, irá aumentar o valor do esforço da fase #4. A tensão da tela interage contra este esforço, quanto mais tensionada maior será a força de corte aplicada na tinta nesta fase #4 (desmolde da impressão). Se a tinta apresentar dilatância na fase #4 dos esforços, pode ocorrer o retorno de um filme de tinta na tela após a desmoldagem com possível “secagem aparente” entupindo a tela, como exemplificamos. Se não houver a tixotropia fazendo este esforço #4 escoar, a superfície do impresso apresentará “marcas de tela” e talvez perfurações.


Uma tinta que apresente dilatância na fase #3 tenderá a “grudar a tela” no impresso. Ou seja, irá aumentar o valor do esforço da fase #4. A tensão da tela interage contra este esforço, quanto mais tensionada maior será a força de corte aplicada na tinta nesta fase #4 (desmolde da impressão). Se a tinta apresentar dilatância na fase #4 dos esforços, pode ocorrer o retorno de um filme de tinta na tela após a desmoldagem com possível “secagem aparente” entupindo a tela, como exemplificamos. Ae não houver a tixotropia fazendo este esforço #4 escoar, a superfície do impresso apresentará “marcas de tela” e talvez perfurações como na imagem de microscópio acima.


A reologia é um tema fundamental para conhecimento pelos fabricantes de tintas. O usuário ou seja, o impressor, não precisa ter “diploma” de nível químico ou de engenharia para perfazer as tarefas da profissão. Entretanto, muitas estamparia formulam tintas “em casa”. O conhecimento geral de temas como o apresentado aqui pode contribuir para reduzir /solucionar problemas e enquadrar mais corretamente responsabilidades entre setores de produção na estamparia.



 

Em junho de 2018 eu entrevistei o Ary para o canal da Genesis no Youtube, a entrevista na integra está aqui:


Conheça os trabalhos do Ary em sua página da CAT Contultoria


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Até a próxima.


 

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